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O valor da medida do PSA

 

Marcus Vinícius Guarnieri Catarin

 

 

 

 

     Introdução

 

     O antígeno específico da próstata (PSA do inglês prostate specific antigen) é uma glicoproteína de 31 kDa produzida pelo epitélio prostático. Trata-se de uma protease sérica com função semelhante à quimiotripsina. Está presente em grande concentração no líquido seminal e em menor proporção no plasma. Sua função é clivar as proteínas semenogelinas I e II presentes nas vesículas seminais e assim liquefazer o coágulo seminal durante a ejaculação. Desde sua descoberta na década de 70, o PSA é o marcador tumoral mais utilizado na medicina e encontra-se elevado em 70% a 80% dos casos de câncer de próstata.

  

 

     Formas moleculares do PSA

 

     No plasma, 70% a 90% do PSA encontra-se na forma de um complexo (cPSA) com proteínas inibidoras de proteases (alfa1-antiquimiotripsina e alfa2-macroglobulina) e uma fração menor encontra-se livre (fPSA) ou não em forma de complexo. O fPSA é composto por várias isoformas (pré-Pró-PSA, Pró-PSA, bPSA e iPSA). O PSA total clinicamente mensurável é igual à concentração do cPSA, da alfa1-antiquimiotripsina e do fPSA. A dosagem das isoformas do PSA aumentaria a discriminação entre hiperplasia prostática (iPSA e bPSA) e câncer de próstata (pró-PSA), porém estas medidas ainda não estão disponíveis para a clínica.

 

     A molécula do PSA apresenta cinco epítopos que funcionam como antígenos ao reagirem com os anticorpos monoclonais e policlonais dos testes de imunoensaio. O PSA em forma de complexo apresenta meia vida de 2,2 dias e sua excreção se faz por metabolismo hepático. Já o PSA livre tem meia vida de 2 a 3 horas e é eliminado por filtração glomerular.

 

     Fatores que interferem com o valor do PSA

 

     Na ausência de doença prostática, o valor do PSA varia com a idade, a raça e o volume da próstata.

 

     Embora o PSA seja considerado próstato-específico, não é câncer-específico. A hiperplasia prostática benigna (HPB), as prostatites, isquemias e infartos prostáticos, biópsia de próstata, ressecção trans-uretral (RTU) da próstata, prostatectomia radical, radioterapia externa, braquiterapia, sondagem vesical, massagem prostática, uso de inibidores da 5alfa-redutase (finasterida e dutasterida) alteram o valor do PSA.

 

     Acredita-se que as elevações do PSA no sangue decorram de rupturas do tecido prostático, daí a orientação de se aguardar de quatro a seis semanas para dosagem sérica do PSA após biópsia de próstata, ressecção trans-uretral da próstata e cistoscopia.

 

     Pacientes sondados apresentam elevação do PSA. O toque retal, a atividade sexual (ejaculação) e o ciclismo ainda são situações controversas em relação à alteração do PSA.

 

     Espera-se redução significativa do PSA após a prostatectomia radical, radioterapia ou o bloqueio androgênico para tratamento do câncer de próstata. O aumento progressivo do PSA pode representar recidiva ou progressão tumoral.

 

     Indivíduos que estejam usando dutasterida por três meses ou finasterida por mais de seis meses, mesmo na dosagem de 1 mg para tratamento da alopécia, têm o valor do PSA reduzido à metade. Portanto, deve-se corrigi-lo multiplicando seu valor por dois. Em contrapartida, pacientes que utilizam inibidores da 5alfa-redutase e não apresentam uma queda no valor do PSA em 50% após seis meses de finasterida ou após três meses de dutasterida devem ser investigados com biópsia quanto à possibilidade de câncer de próstata incipiente.

 

 

     O PSA na insuficiência renal e na hepatopatia crônica

 

     Indivíduos em insuficiência renal crônica apresentam os mesmos valores de PSA que indivíduos com função renal preservada, sendo que os métodos dialíticos não alteram a concentração sérica do PSA. Apesar de o PSA conjugado ser metabolizado no fígado, o PSA também não se altera nos indivíduos com hepatopatia crônica. Acredita-se que seu clearance não ocorra nos hapatócitos, mas nos macrófagos (células de Kupffer), que possuem receptores específicos para a degradação de glicoproteínas séricas.

 

 

     O PSA e a terapia de reposição hormonal masculina

 

     A terapia de reposição hormonal para homens com deficiência androgênica decorrente do envelhecimento não promove alteração no valor do PSA. Qualquer elevação no PSA ou no toque retal durante o tratamento deve ser investigada com biópsia de próstata e interrupção da reposição hormonal.

 

 

     A importância do PSA

 

     O câncer de próstata é a segunda causa de óbito por neoplasia em homens no Brasil e a terceira nos Estados Unidos. Um em cada cinco homens apresentará câncer de próstata ao longo de suas vidas. A combinação do exame de toque retal da próstata com o PSA apresenta-se como teste de primeira linha para se aferir o risco de câncer de próstata em um indivíduo. A presença de nódulo (área endurecida) ao toque ou PSA elevado evidencia risco de câncer de próstata e é indicativo de biópsia guiada por ultra-som transretal.

 

     Antes do advento do PSA como marcador tumoral, o toque retal era o principal método de diagnóstico e de estadiamento do câncer de próstata. Complementado pela dosagem sérica da fosfatase ácida prostática e pelo exame de ultra-som, diagnosticavam câncer de próstata em 1% a 2% dos indivíduos que procuravam avaliação médica. Desses, 48% apresentavam doença extra-prostática e 85% doença avançada. Utilizados isoladamente, o exame de toque retal ou o ultra-som de próstata deixam de diagnosticar 37% e 43% dos casos de câncer de próstata, respectivamente.

 

     A partir de 1986, o uso disseminado do PSA na clínica para diagnóstico precoce, estadiamento clínico e controle das diversas modalidades terapêuticas do câncer de próstata, aumentou a incidência de câncer restrito à próstata, reduziu a incidência de doença metastática ao diagnóstico em 50% a 70% e reduziu a mortalidade em até 20% nas últimas duas décadas.

 

     O PSA e o screening do câncer de próstata

 

     O emprego do PSA no rastreamento sistemático e populacional do câncer de próstata ainda é uma questão em aberto. Não há evidências clínicas de que a redução da mortalidade decorra unicamente do diagnóstico precoce pelo uso do PSA, frente aos consideráveis avanços obtidos na terapêutica do câncer de próstata. Também não há diferença na qualidade de vida ou na mortalidade por câncer de próstata entre indivíduos diagnosticados durante screening ou não. Na prática, o teste do PSA fica reservado a homens que procuram o médico para avaliarem seu risco de câncer de próstata.

 

    

     Como interpretar o PSA

 

     Como outros testes laboratoriais empregados na clínica, o PSA não é um exame perfeito. Embora seja o teste de maior valor preditivo positivo para o câncer de próstata, cerca de 30% dos diagnósticos ocorrem com valores normais de PSA. Uma de suas limitações como marcador tumoral é a sobreposição dos valores de PSA entre o câncer de próstata e a hiperplasia prostática benigna (HPB), que é uma doença de maior prevalência.

 

    Há uma discussão acerca do valor ideal de PSA para indicar a biópsia da próstata, pois não há um valor exato que defina PSA normal ou alterado a todos os indivíduos. Assim pode-se considerar duas situações opostas:

  • Biopsiar a próstata de indivíduos com PSA elevado: o valor preditivo positivo do PSA aumenta, mas se desperdiça a oportunidade de diagnóstico precoce

 

  • Biopsiar a próstata com PSA muito baixo: diagnosticam-se tumores de comportamento indolente, tumores que não seriam diagnosticados sem screening e, entre esses, a maioria dos indivíduos não morreria de câncer de próstata, mas com câncer de próstata. Além disso, ter-se-ia um número maior de biópsias negativas (menor valor preditivo do PSA), implicando em custos e complicações técnicas.

     Classicamente, indicava-se biópsia prostática para PSA maior ou igual a 10 ng/ml. Porém, metade desses indivíduos já apresentava doença avançada, fora da próstata e com mínimas chances de cura. Hoje, indica-se biópsia para PSA maior ou igual a 4,0 ng/ml.

 

     Com o emprego do PSA ao longo das últimas duas décadas, passou-se a diagnosticar mais tumores de próstata, em estágios mais precoces e com PSA cada vez menor. Esse fato estreitou a faixa de atuação do PSA no diagnóstico do câncer de próstata e fez necessário que novos métodos conferissem maior acurácia ao exame.

 

     A utilização dos parâmetros do PSA, como PSA ajustado à idade, velocidade do PSA (PSAV), densidade do PSA (PSAD) e porcentagem de PSA livre, aumentou a especificidade do PSA e o diagnóstico de câncer, em relação ao uso isolado do PSA total.

A indicação de biópsia de próstata conforme a distribuição etária do PSA tornou-o 95% sensível para os mais jovens e 95% específico para os mais idosos. Aceita-se como normal um PSA de até 2,5 ng/ml para indivíduos de 40-59 anos e 3,5 ng/ml para 60-79 anos na raça branca. Nos indivíduos da raça negra, até 2,0 ng/ml aos 40-49 anos, 3,5 ng/ml aos 50-59 anos, 4,5 ng/ml aos 60-69 anos e 5,5 ng/ml aos 70-79 anos.

 

     Um aumento de 0,75 ng/ml no valor do PSA total ao ano (PSAV) evidencia uma produção desproporcional de PSA e é indicativo de biópsia. Entretanto, essa velocidade de aumento é imprópria para indivíduos jovens com valores de PSA menores. Portanto, aumentos de 0,4 ng/ml ou mais ao ano devem ser investigados com biópsia em indivíduos com menos de 60 anos.

 

     A densidade do PSA (PSAD) parte do princípio de que a próstata com câncer produz dez vezes mais PSA que a próstata com HPB. A PSAD é obtida dividindo-se o PSA total pelo volume prostático determinado pela ultra-sonografia. Deve-se indicar biópsia prostática quando superior a 0,20 ng/ml/cm3.

 

     Em todas as dosagens de PSA entre 2,5 e 4,0 ng/ml, deve-se avaliar a relação entre PSA livre / PSA total (porcentagem de PSA livre), indicando-se biópsia quando inferior a 15%. Essa relação otimiza a acurácia do método e parte da observação de que próstatas com câncer produzem mais PSA na forma de complexo do que na forma livre. Quando a relação PSA livre / PSA total for maior que 20% tem-se 5% de probabilidade de câncer à biópsia e quando inferior a 10%, tem-se 45%, o que é muito significativo.

 

     A quem se indica o exame de PSA?

 

     A Associação Americana de Urologia recomenda que homens aos 50 anos e aqueles aos 40 anos com história familiar de câncer de próstata ou de origem Africana realizem a dosagem do PSA e submetam-se ao exame de toque retal da próstata anualmente.

  

    

    

     Leitura recomendada

 

Catalona WJ, Partin AW, Finlay JA et al. Use of percentage of free prostate-specific antigen to identify men at high risk of prostate cancer when PSA levels are 2.51 to 4 ng/ml and digital rectal examination is not suspicious for prostate cancer. An alternative model. Urology 1999;54:220-224.

 

Makarov DV, Carter B. The discovery of prostate specific antigen as a biomarker for the early detection of adenocarcinoma of the prostate. J Urol 2006;176: 2383-2385.

 

Pelzer AE, Bektic J, Akkad T et al. Under diagnosis and over diagnosis of prostate cancer in a screening population with serum PSA 2 to 10 ng/ml. J Urol 2007;178: 93-97.

 

Reed A, Ankerst DP, Pollock BH et al. Current age and race adjusted prostate specific antigen threshold values delay diagnosis of high grade prostate cancer. J Urol 2007;178:1929-1932.

 

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